A Gestante e o Tratamento Odontológico
Quase que diariamente atendo no consultório pacientes gestantes, essa é uma fase especial da vida que por si só geram muitas dúvidas na mulher e algumas dessas dúvidas envolvem a ida ao Cirurgião-Dentista.
Costumo sempre acalmar minhas pacientes lembrando-as que gravidez não é doença, realmente esse é um período que exige alguns cuidados a mais no atendimento odontológico, mas nada que impossibilite que o tratamento seja realizado!
Frente as muitas dúvidas que essas pacientes trazem ao consultório, compartilho a discussão de um artigo publicado na revista 'Ciência & Saúde Coletiva' que achei muito interessante pois relata as diferentes visões das gestantes:
Medos e mitos
Verificou-se em algumas situações que os profissionais de saúde podem contribuir para o aparecimento e, muitas vezes, para o fortalecimento de medos e mitos relacionados à atenção odontológica durante o período gestacional:
Ah, eu sou contra RX. Porque a gente ouve por aí, os médicos alertam que mulher grávida não pode estar chegando perto de RX. Eu não tenho assim muito conhecimento. Mas eu penso que não... não... não pode fazer isso devido afetar a formação do bebê. (RC 2)
Pelo menos a minha dentista pediu que eu esperasse ganhar neném primeiro pra poder fazer a restauração [...] por causa da anestesia também. (RS 7)
Esse resultado pode estar relacionado ao fato de que muitos profissionais preferem se esquivar do atendimento odontológico à gestante, principalmente no primeiro trimestre, com receio de serem responsabilizados por possíveis fatalidades ocorridas com o bebê. Não se pode negar que, em tais situações, sempre existe a busca por um culpado, e com isso a possibilidade de responsabilização do dentista.
Outra possível justificativa é a presença de mitos fortemente arraigados também nesses profissionais, evidenciando a necessidade de investimentos em educação, tanto em nível de graduação como em pós-graduação, sobre saúde bucal e gravidez.
Confiança incondicional no médico
Esse resultado foi identificado apenas entre as gestantes assistidas por convênio, sugerindo que para a realização de qualquer intervenção na área odontológica há necessidade de ciência e posterior permissão do médico para que ela possa ser executada pelo dentista:
Mas como eu te falei, se meu médico estiver a par, eu faria até qualquer outra cirurgia, alguma coisa assim, contando que meu médico garantisse que não teria nenhum problema. (RC 1)
Em relação à anestesia, eu perguntaria para o meu médico; o que ele me falar, eu faria; se ele falasse que poderia tomar, eu tomaria. (RC 9)
A odontologia tem menos impacto que a medicina na interação com a comunidade em relação a questões de saúde, porque geralmente as necessidades odontológicas são vistas como de menor complexidade e, muitas vezes, podem ser controladas no próprio consultório, ao contrário de muitas doenças gerais.
Soma-se o fato de que na odontologia, assim como em toda a área de saúde, as várias especialidades são compartimentalizadas, dificultando a visão verdadeiramente integral do ser humano. Com isso, há a hipótese de a gestante desconhecer que o dentista possui conhecimentos mais amplos sobre saúde, incluindo aqui saberes sobre prescrição medicamentosa, uso de RX, de anestesia, não se limitando apenas à execução puramente mecânica de procedimentos odontológicos inerentes à especialidade por ele praticada.
Medo do dentista e dos procedimentos odontológicos
É mais ou menos assim: você deita numa sala branca, fria e gelada e um cara vem... aparece com uma injeção... Ai, que horror... E aí você fica sem domínio da situação. Você fica lá com a boca assim, toda largada. E também aquele motorzinho horroroso... Dentista é horrível. (RC 10)
Práticas odontológicas vivenciadas anteriormente, com técnicas, materiais, equipamentos ultrapassados e rudimentares, podem contribuir para o surgimento de relatos de experiências desagradáveis e traumáticas em relação ao atendimento odontológico.
O início da prática odontológica no Brasil foi artesanal, sem escolas e cursos. Nada era exigido, nem o saber ler para obter a carta da profissão de "tirar dentes". Por volta de 1830, os barbeiros acumulavam a "arte de tirar dentes".
Esse resultado assemelha-se ao encontrado por Bernd et al. (1996). Nele, também foi identificado o medo do dentista e das situações do atendimento - medo esse associado à dor, ao instrumental, aos procedimentos e ao próprio dentista. Segundo esses autores, a prática odontológica se reflete em experiências desagradáveis, principalmente quando os profissionais assumem postura autoritária em relação aos pacientes, desconsiderando toda carga emocional envolvida no atendimento odontológico.
O estudo de Albuquerque et al. (2004) encontrou barreiras para a atenção odontológica de gestantes relacionadas à ansiedade, medo do barulho da turbina de alta rotação, dos instrumentos utilizados, da sala fria, de desconfortos sensitivos como cheiro, sabor, visão dos instrumentos, refletor, uniformes, máscaras e da posição horizontal da cadeira.
É fundamental que o profissional tenha bem claro que atrás "daquela boca" que necessita de tratamento há um ser humano com necessidade de acolhimento, atenção e esclarecimentos.
Necessidade de programas para esclarecimento da população sobre saúde bucal
Acho que sobre esse negócio de gravidez... Acho que não tem nenhum programa ou tipo de propaganda que fale nesse sentido. Vamos supor que você ache que o tratamento não tem nada a ver. Que pode ser real. Só que eu não vou colocar isso na minha cabeça agora, já que eu estou grávida agora. Eu acho que deveria ser falado isso para o povo antes. Eu não vou fazer uma experiência agora na minha gravidez.(RC 10)
Normalmente a gravidez é um momento único, importante na vida da mulher, no qual o amor pelo feto leva somente à realização de práticas consideradas seguras e inócuas para o binômio mãe-filho.
Esse achado aponta a necessidade de educação sobre saúde bucal no período gestacional, utilizando-se veículos de comunicação de grande alcance, pois, dessa forma, a população teria um aprendizado lento, porém constante, muitas vezes prévio ao aparecimento da gravidez. Tal prática contribuiria para a desmistificação da atenção odontológica durante a gestação e na incorporação gradativa de novos conhecimentos e práticas de saúde bucal."
Referência
CODATO, L. A. B . Atenção odontológica à gestante: papel dos profissionais de saúde. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro , v. 16, n. 4, Apr. 2011 .
CODATO, L. A. B . Atenção odontológica à gestante: papel dos profissionais de saúde. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro , v. 16, n. 4, Apr. 2011 .
http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n4/v16n4a29.pdf
Gostaria ainda de compartilhar um video que esclarece um pouco mais sobre os cuidados no tratamento odontológico da paciente gestante, explica bem sobre os medicamentos e o uso do raio x que geram tantas dúvidas a essas pacientes: